Morreu um Papa. Viveu um homem. Francisco, o pontífice que ousou pisar com sandálias de couro pobre na arena dos ricos, que enfrentou os vendilhões da fé e os traficantes do medo com um sorriso de misericórdia e uma bronca de Evangelho. Sai de cena o bispo de Roma que escolheu o nome de um santo descalço, e que por isso foi odiado pelos que só andam de salto alto sobre os ombros dos outros.
Mas nem na hora do adeus o gado bolsonarista, a milícia digital dos crucificadores modernos, foi capaz de silenciar. “Comunista!”, gritaram. “Globalista!”, mugiram. “Infiltrado!”, postaram com fúria, como se a morte precisasse também de uma CPI.
Ora, seus ignaros de WhatsApp e fiéis do zap-zap das trevas: se defender os pobres, clamar por justiça, recusar a idolatria do dinheiro e chamar criminosos de criminosos é ser comunista — então que se canonize Marx e beatifique Che Guevara.
Francisco não foi o Papa do comunismo. Foi o Papa da compaixão, da dignidade, da coerência. Um homem que teve a coragem de dizer que o inferno é aqui mesmo, e que o capitalismo selvagem é um dos seus arquitetos. Um pontífice que lavou os pés de refugiados e lavou a alma da Igreja — ainda que a mancha do conservadorismo continue tentando empurrar tudo de volta ao século XIII.
A reação bolsonarista ao seu passamento revela mais sobre os vivos do que sobre o morto. Eles não choram por Francisco porque nunca entenderam o que é chorar por alguém que se colocou do lado certo da História. Preferem homenagear generais torturadores, pastores estelionatários e messias de farda que não multiplicam pães, mas fake news.
Enquanto o Papa estendia tapetes vermelhos aos marginalizados, os devotos do ódio pavimentavam sua estrada com ignorância e cinismo. Agora que ele partiu, se sentem livres para atacar, como hienas que só aparecem quando o leão dorme.
Mas não se iludam: a voz de Francisco ecoará por muito tempo. Ecoará nos pobres das periferias, nos indígenas da Amazônia, nos excluídos do mundo todo. E também em nós — os insubordinados, os críticos, os sonhadores que ainda acreditam que a fé sem coragem é apenas superstição.
Que eles ladrem. O rebanho da ignorância é grande, mas o rebanho do bom senso também tem seus pastores. E mesmo sem báculo, nós sabemos usar a pena como chicote.
Adiós, Francisco. Vá em paz. E se possível, peça ao Criador que não se esqueça do Brasil — porque por aqui, o gado ainda acredita que amar o próximo é coisa de comunista.